Atuação do psicólogo junto a grupos sócio educativos com HAVD contra a mulher.
Atualizado: 22 de jun. de 2020
CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS
GILSOM DE CASTRO MAIA
JACQUELINE GONÇALVES BARROS
orientadora : Profa. Ms Lídia Rosalina Folgueira Castro
Atuação do psicólogo junto a grupos sócio educativos com homens autores de violência doméstica contra a mulher.
RESUMO
Objetivo: Este trabalho tem como objetivo descrever e discutir as possibilidades de atuação e tipos de intervenção do psicólogo para redução do ciclo de violência no atendimento aos autores de violência doméstica que foram autuados pela Lei Maria da Penha.
Método: Para o desenvolvimento do presente estudo, da literatura cientifica brasileira publicada entre os anos de 2006 e 2017, utilizou-se de dados científicos que foram pesquisados nas bases de dados SCielo, Google Acadêmico, revistas científicas, Portal de Periódicos Capes, teses de mestrados e doutorados, utilizando-se dos descritores “gênero”, “masculinidades”, “violência doméstica”, “atuação do psicólogo”, “homens autores de violência” e “Lei Maria da Penha”. O período e os descritores escolhidos tiveram por objetivo considerar os últimos avanços e estudos em relação ao tema, particularmente os artigos que abordaram a atuação e o papel do psicólogo nos programas e atendimentos voltados aos homens agressores de violência doméstica. As escolhas dos artigos se deram, também, pela relevância e a qualificação do Qualis das revistas perante a temática relacionada a pesquisa. Foram excluídos da pesquisa artigos que abordavam grupos de vítimas que não fossem as mulheres, tais como crianças, idosos, homens e adolescentes, mesmo que embasados no contexto da violência contra a mulher, e por não trazerem as características dos homens agressores.
Ao pesquisar na base de dados, bibliografias existentes acerca da Violência doméstica, obtivemos o retorno de 28.000 trabalhos; esta grande quantia provavelmente constitui materiais tanto de “violência” como “doméstica”, palavras independentes e não como uma expressão única. A pesquisa então foi refeita, buscando artigos que contivessem a expressão “violência doméstica contra a mulher” por tratar-se de cuidado e proteção da garantia de direitos criados no Brasil, citamos a Lei Maria da Penha, que ditam regras de medidas protetivas a mulher e trabalhos sócio educativos e reflexivos com os autores de violência doméstica.
Resultado: Dos 23 artigos analisados, foram utilizados 06 artigos cujos critérios foram o Qualis e a leitura do resumo que indicava que o conteúdo possuía aderência ao presente estudo; “Homens autores de violência doméstica contra a mulher” obtivemos o retorno de 16.800 artigos relacionados ao tema. De acordo com a metodologia de seleção para a compreensão do estudo, optamos por usar 07 artigos; “atuação do psicólogo com homens autores de violência doméstica” 15.600 artigos relacionados, selecionamos 06 dessas pesquisas que elucidam a atuação do psicólogo em grupos sócio educativos e reflexivos com homens autores de violência doméstica contra a mulher; “violência de gênero doméstica” 19.100 artigos relacionados, selecionamos 04 artigos dessa pesquisa. O processo de revisão foi conduzido de modo colaborativo, dentre alunos, supervisor e orientador. O período estabelecido para a revisão bibliográfica foi do ano de 2006 a 2017.
O resultado inicial das bases de dados resultou no total de 50 artigos, sendo referentes a pesquisas realizadas no Brasil. Após as leituras, 27 artigos que não atendiam aos critérios de seleção foram eliminados como; metodologia de pesquisa (Qualis), base de dados e pesquisa com base em estudos científicos. Ao longo da construção do presente trabalho, utilizamos 23 artigos no desenvolvimento da atual revisão.
Conclusão: Conclui-se que o trabalho do psicólogo com os homens autores de violência doméstica precisa ser mais desenvolvido e ampliado pelas políticas públicas tendo a atenção necessária tanto quanto os programas que são voltados às mulheres agredidas. Atualmente muitos programas no exterior e no Brasil tem ganhado visibilidade e prudência adequadas no olhar ao homem agressor para que seja ampliada essa questão tão importante e que é de cunho da saúde pública. Visando isso, foram sugeridas formas alternativas de atuação do psicólogo, que possam favorecer o alcance dos resultados pretendidos no combate, prevenção e redução ciclo da violência doméstica.
PALAVRAS-CHAVE: atuação do psicólogo, homens autores de violência, violência doméstica, violência de gênero.
SUMMARY
Objective: This study aims to describe and discuss the possibilities of intervention and types of psychologist intervention to reduce the cycle of violence in the care of domestic violence perpetrators who were assessed by the Maria da Penha Law.
Methods: For the development of the present study, from the Brazilian scientific literature published between the years 2006 and 2017, we used scientific data that were searched in the databases SCielo, Google Academic, scientific journals, Portal de Periodical Capes, thesis of masters and doctorates, using the descriptors "gender", "masculinities", "domestic violence", "performance of the psychologist", "men authors of violence" and "Lei Maria da Penha". The period and the chosen descriptors were aimed at considering the latest advances and studies in relation to the subject, particularly the articles that dealt with the performance and the role of the psychologist in the programs and care for men who were aggressors of domestic violence. The choices of the articles were also due to the relevance and qualification of Qualis of the journals in relation to the research topic. Articles that addressed groups of victims other than women, such as children, the elderly, men and adolescents, even if based in the context of violence against women, and because they did not bring the characteristics of the aggressor men, were excluded from the survey.
When searching the database, existing bibliographies about Domestic violence, we obtained the return of 28,000 jobs; this large amount probably constitutes both "violence" and "domestic" material, independent words and not as a single expression. The research was then redone, looking for articles that contained the expression "domestic violence against women" because it is about care and protection of the guarantee of rights created in Brazil, we quote the Law Maria da Penha, which dictate rules of protective measures to women and social and educational reflective work with the perpetrators of domestic violence.
Result: Of the 22 articles analyzed, 6 deal with the psychologist's role in programs aimed at male aggressors of domestic violence and the importance of treatment of this subject in addition to punishment, 6 approach the men authors of violence emphasizing the profile and role of this man in understanding and accountability of their actions, 5 address domestic violence as a public health issue, and 4 address gender violence and its implications for justice and lack of public policy investment. It should be emphasized that the psychologist who works with men who are authors of domestic violence must rely on professional ethics, working with a socio-educational rather than punitive perspective to facilitate the bond, generating in this man a reflexive action so that he is responsible for the violence committed.
Conclusion: Of the 23 articles analyzed, we used 06 articles whose criteria were the Qualis and the reading of the summary that indicated that the content had adherence to the present study; "Men authors of domestic violence against women" we obtained the return of 16,800 articles related to the topic. According to the selection methodology for understanding the study, we chose to use 07 articles; "Psychologist's performance with men authors of domestic violence" 15,600 related articles, we selected 06 of these researches that elucidate the psychologist's performance in socio-educational and reflective groups with men authors of domestic violence against women; "Domestic gender violence" 19,100 related articles, we selected 04 articles from this research. The review process was conducted in a collaborative way, among students, supervisor and supervisor. The period established for the bibliographic review was from 2006 to 2017.
The initial result of the databases resulted in a total of 50 articles, being related to research carried out in Brazil. After the readings, 27 articles that did not meet the selection criteria were eliminated as; research methodology (Qualis), database and research based on scientific studies. Throughout the construction of the present work, we used 23 articles in the development of the current revision.
KEYWORDS: psychologist's performance, male perpetrators of violence, domestic violence, gender violence.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho se insere no campo de discussões sobre violência doméstica, tendo como objeto de estudo os profissionais que atuam com homens autores de violência doméstica. Nosso objetivo é descrever e discutir as possibilidades de atuação e tipos de intervenção do psicólogo para redução do ciclo de violência no atendimento aos autores de violência doméstica que foram autuados pela Lei Maria da Penha.
Os resultados encontrados na revisão bibliográfica deixaram claro que o psicólogo que atua com homens autores de violência doméstica deve trabalhar com um olhar sócio educativo ao invés de punitivo para facilitar assim o vínculo, gerando neste homem uma ação reflexiva para que ele se responsabilize pela violência cometida.
Frente ao material que será apresentado, apareceram fatores que podem influenciar na manutenção da violência doméstica, assim como os problemas conjugais, crenças e valores familiares, isolamento social, dificuldades ao acesso as redes de apoio, hierarquias do poder ente o masculino e feminino.
Desta forma, foram sugeridas formas alternativas de atuação do psicólogo, que possam favorecer o alcance dos resultados pretendidos no combate, prevenção e redução do ciclo da violência doméstica, bem como alternativas de atendimento a esses homens, considerando eventos, condições de possibilidades, problematizando o lugar desse atendimento entre as estratégias transformadoras das práticas que dão sustentação à violência doméstica.
Conforme Schraiber et al (2002 apud PELLEGRINI, 2009) a organização mundial da saúde, considerou em 1990 a violência contra a mulher uma questão de saúde pública e definiu como violência contra a mulher, qualquer ação ou conduta que cause danos físicos, sexual, psicológico, patrimonial ou morte (feminicídio) no contexto social, privado ou público. A violência contra a mulher se baseia na desigualdade e não equidade das relações entre gêneros homens e mulheres, que foram retratadas a partir de modelos predominantes, masculino e feminino, na sociedade. Da mesma forma a ONU, Organização das Nações Unidas, em 2006 relata que a violência contra as mulheres continua presente no mundo como uma violação que fere os direitos humanos, impedindo a conquista da equidade de gênero. (KRUG et al, 2002, apud, LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008).
Segundo Grossi (2008 apud OLIVEIRA; ROMEU, 2011), “violência contra a mulher” tornou-se sinônimo de “violência conjugal”. No Brasil, o tema violência contra a mulher ganhou importância social a partir dos anos 80, quando as feministas conseguiram por meio de suas lutas a criação dos conselhos municipais e estaduais da mulher por todo o país, bem como as delegacias especializadas em crimes contra a mulher. Os movimentos feministas denunciaram a violência conjugal, o poder patriarcal e os efeitos de opressão dos homens contra as mulheres, obtendo assim uma punição dos autores de violência; intervenções, abrigos e grupos de conscientização para mulheres vítimas, assim como foi criado, mais tarde, grupos de conscientização para os autores de violência. Segundo Oliveira; Romeu: A promulgação da Lei no 11.340, a Lei Maria da Penha, que ampliou consideravelmente a visibilidade da problemática. Ela institui penas mais severas para os agressores, a criação de juizados especiais de atenção à “violência familiar e doméstica contra a mulher”, bem como programas e centros de atendimentos aos homens agressores, entre outros avanços. (OLIVEIRA; ROMEU, 2011, p. 2402) ONG’s, organizações não governamentais[1], que realizam trabalhos com autores de violência doméstica e homens de todas as idades, mostram por meio das ações o impacto positivo ao fazer uso da abordagem de gênero e masculinidades, em ações voltadas à saúde. (LIMA; BUCHELLE, CLIMACO, 2008, p. 71). Saffioti (2004 apud LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008) quando analisa as intervenções voltadas à prevenção e atenção da violência, aponta que os envolvidos na relação violenta devem apresentar o desejo de mudança. Ao trabalhar somente com a vítima de violência doméstica, não ocorre uma mudança no processo de violência, pois a outra parte, o autor de violência, mantem seu comportamento, enfatizando-se assim o ciclo de violência, tornando a relação ainda mais violenta. É percebido que a vítima necessita de mais atenção, porém poucos percebem que o agressor também a necessita. Para que ocorra uma transformação na relação, as duas partes, vítima e autor de violência precisam de auxílio.
O homem é rotulado como doente quando comete qualquer tipo de violência contra a mulher, ligando a violência a existência de doenças e ao uso de drogas licitas e ilícitas, sendo que a maioria dos homens autores de violência doméstica não tem acesso a qualquer tipo de trabalho de intervenção socioeducativa, e mesmo participando, eles acabam desistindo e justificando que a vítima é a culpada ou isentando-se de qualquer responsabilidade sobre ato de violência cometida. Este comportamento prejudica e dificulta alcançar os resultados na diminuição do ciclo de violência contra a mulher. (SCHRAIBER at al, 2005 apud PELLEGRINI, 2009).
Para Lima, Buchelle e Climaco: O momento propício para este debate no Brasil pode ser ilustrado pelos recentes acontecimentos: 1) Intenção do governo federal de instituir a Política Nacional de Atenção à Saúde do Homem; 2) A promulgação da Lei 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, em 2006, que tem gerado visibilidade nunca antes vista para a temática da violência contra a mulher e para os homens autores dessa violência; 3) Promulgação da Lei 11.489, em junho de 2007, que institui o dia 6 de dezembro como Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres. (2008, p. 72).
Segundo Oliveira e Romeu (2011) na década de 90, as pesquisas e trabalhos sobre violência e gênero apresentam um crescimento, porém, as pesquisas sobre homens autores de violência apresentam um interesse menor, por mais que desde os anos 80, internacionalmente já tenham se apresentado no meio acadêmico. Grossi et al (2006 apud OLIVEIRA; ROMEU, 2011), realiza um levantamento de pesquisas sobre gênero e violência, no âmbito nacional, e das 286 publicações apresentadas apenas 7% investigam homens ou masculinidades.
A ONU em 2006 apresentou um relatório[2] e enfatiza que o envolvimento dos homens no desenvolvimento de estratégias como um dos princípios norteadores de práticas promissoras na prevenção, da violência contra a mulher a implementação de ações e prevenções. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008).
Para os mesmos autores, este relatório comprova a necessidade de mais estudos para determinar o real impacto, na possibilidade de prevenção que os programas de ressocialização com autores de violência contra a mulher se mostram e enfatizam. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008)
ONG’s, organizações não governamentais, projetos e programas brasileiros, como “Tempo de despertar”, “E agora José”, “Instituto NOOS” – que significa “mente” em grego - , “Instituto PAPAI” – Programa de Apoio ao Pai - , “ECOS: Comunicação e sexualidade”, “Pró-mulher: Família e cidadania”, “Coletivo feminista sexualidade e saúde”, que trabalham há mais de 10 anos com o público masculino, mostram o impacto positivo das ações utilizando o tema gênero e masculinidades com homens de todas as idades em ações voltadas à saúde. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008). Ainda segundo os autores: As intervenções com homens autores de violência não são o melhor nem o único caminho para eliminar a violência contra as mulheres. Porém, a partir da leitura aqui empreendida, vislumbra-se que, quando integradas com outras ações dirigidas às mulheres, esse pode ser um importante meio para promover a equidade de gênero e diminuir a violência. (2008, p. 71,)
Segundo Arilha (2005 apud LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008) a participação, envolvimento e conscientização do homem e da sociedade no objetivo da diminuição e ou erradicação da violência contra a mulher é importante, porém que não deve ter um caráter meramente instrumental. No entanto, todos devem entender que a manutenção das “normas” do modelo hegemônico de masculinidade passa a ser prejudicial para a saúde e bem-estar de todos e todas.
A implementação da Lei Maria da Penha representa um estímulo e dá um caráter de urgência para a realização de novos estudos e pesquisas voltados a este novo olhar sobre o lugar dos homens no debate e nas ações sobre a violência contra a mulher. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008, p. 81).
Gomes (2003, apud, LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008) da validade para as iniciativas em saúde que trabalham com as mulheres e homens, desde que não percam "a perspectiva relacional entre os gêneros e não se distanciem da promoção da saúde voltada para as necessidades humanas em geral" (GOMES, 2003, p. 826).
Ainda segundo os autores (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008) para entender a violência de gênero se faz necessário investigar as histórias de reconstrução do gênero masculino, as experiencias e discursos, desta forma existe uma possibilidade de intervenção com as vítimas e com os autores de violência doméstica.
Dentro de um contexto sócio histórico é possível compreender as diversas formas de violência, às vezes toleradas ou não, suas expressões sociais e subjetividades. (MINAYO, 2005, apud, LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008).
2. MÉTODO
Diante do objetivo já apresentado, o método escolhido foi a revisão bibliográfica de natureza qualitativa descritiva com abordagens, conceitos e teorias sobre a violência doméstica perpetrada pelo homem contra a mulher, para que fosse possível compreender os aspectos envolvidos neste fenômeno e delimitar o papel do profissional da psicologia nesse contexto.
Segundo Marconi e Lakatos (2001), este tipo de pesquisa constitui-se em um levantamento de publicações sobre o tema que se escolheu pesquisar, sua leitura e sua análise com o agrupamento em temáticas. Por meio da pesquisa bibliográfica pode-se obter a solução de um problema ou ainda ampliar novas áreas de pesquisa sobre o mesmo.
Para o desenvolvimento do presente estudo, da literatura cientifica brasileira publicada entre os anos de 2006 e 2017, utilizou-se de dados científicos que foram pesquisados nas bases de dados SCielo, Google Acadêmico, revistas científicas, Portal de Periódicos Capes, teses de mestrados e doutorados, utilizando-se dos descritores “gênero”, “masculinidades”, “violência doméstica”, “atuação do psicólogo”, “homens autores de violência” e “Lei Maria da Penha”. O período e os descritores escolhidos tiveram por objetivo considerar os últimos avanços e estudos em relação ao tema, particularmente os artigos que abordaram a atuação e o papel do psicólogo nos programas e atendimentos voltados aos homens agressores de violência doméstica. As escolhas dos artigos se deram, também, pela relevância e a qualificação do Qualis das revistas perante a temática relacionada a pesquisa.
Foram excluídos da pesquisa artigos que abordavam grupos de vítimas que não fossem as mulheres, tais como crianças, idosos, homens e adolescentes, mesmo que embasados no contexto da violência contra a mulher, e por não trazerem as características dos homens agressores.
Ao pesquisar na base de dados, bibliografias existentes acerca da Violência doméstica, obtivemos o retorno de 28.000 trabalhos; esta grande quantia provavelmente constitui materiais tanto de “violência” como “doméstica”, palavras independentes e não como uma expressão única. A pesquisa então foi refeita, buscando artigos que contivessem a expressão “violência doméstica contra a mulher” por tratar-se de cuidado e proteção da garantia de direitos criados no Brasil, citamos a Lei Maria da Penha, que ditam regras de medidas protetivas a mulher e trabalhos sócio educativos e reflexivos com os autores de violência doméstica. Utilizamos 06 artigos cujos critérios foi o Qualis e a leitura do resumo que indicava que o conteúdo possuía aderência ao presente estudo; “Homens autores de violência doméstica contra a mulher” obtivemos o retorno de 16.800 artigos relacionados ao tema. De acordo com a metodologia de seleção para a compreensão do estudo, optamos por usar 07 artigos; “atuação do psicólogo com homens autores de violência doméstica” 15.600 artigos relacionados, selecionamos 06 artigos dessas pesquisas que elucidam a atuação do psicólogo em grupos sócio educativos e reflexivos com homens autores de violência doméstica contra a mulher; “violência de gênero doméstica” 19.100 artigos relacionados, selecionamos 04 artigos dessa pesquisa. O processo de revisão foi conduzido de modo colaborativo, dentre alunos, supervisor e orientador. O período estabelecido para a revisão bibliográfica foi do ano de 2006 a 2017.
O resultado inicial das bases de dados resultou no total de 50 artigos, sendo referentes a pesquisas realizadas no Brasil. Após as leituras, 27 artigos que não atendiam aos critérios de seleção foram eliminados como; metodologia de pesquisa (Qualis), base de dados e pesquisa com base em estudos científicos. Ao longo da construção do presente trabalho, utilizamos 23 artigos no desenvolvimento da atual revisão.
3. LEI MARIA DA PENHA
A Lei Maria da Penha (11.340/06), vigorada em 22 de outubro de 2006 representa um avanço importante dos movimentos e ONGS feministas e de mulheres. De acordo com Nothaft (2015), “trata-se de uma lei extensa e complexa (46 artigos), com caráter de política pública, que tem por objetivo criar “mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher”. No tocante a homens e mulheres que se situam em relacionamento violentos, há o encaminhamento para politicas que visam a prevenção e orientação dos mesmos.
Contudo, para Nothaft (2015), “os debates em torno de implementação têm-se centrado nas medidas criminais e na constitucionalidade da lei, levando agentes do Estado a uma tradução restrita da legislação.”.
De acordo com Oliveira e Gomes (2011), a promulgação da referida lei ampliou a problemática de homens agressores de violência, estabelecendo assim penas mais severas, criando “juizados especiais de atenção à “violência familiar e doméstica contra a mulher”, bem como programas e centros de atendimentos aos homens agressores, entre outros avanços.”. Dentro desse mesmo contexto, tem-se ainda utra lei de suma importância: 11.489 de 2007 que configura o dia 6 de dezembro como “Dia Nacional de Mobilização dos Homens pelo Fim da Violência contra as Mulheres”.
Não será atentado nesse artigo as disposições legais criminais e seus contextos jurídicos da Lei Maria da Penha, mas sim enfatizado os artigos 35 e 45 devido a sua relevância. Como frisado por Lima, Buchelle e Climaco (2008): O Art. 35 informa que o Estado poderá criar e promover, no limite das respectivas competências (municipal, estadual e federal), entre outras coisas, centros de educação e de reabilitação para os autores de violência. O Art. 45 (que altera o texto do Art. 152 da Lei 7.210/1984) orienta que “Nos casos de violência doméstica contra a mulher, o juiz poderá determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação”.
Ainda de acordo com os autores, em seu artigo 8º, uma das medidas preventivas é a “promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero, raça e etnia, concernentes às causas, às consequências e à frequência esse problema”.
De acordo com Beiras (2014), faz-se fundamental a intervenção com homens autores de violência sendo cada vez mais conspícuo um consenso de que é necessário atuar de forma abrangente em diferentes contextos, para considerar todos os implicados.
A própria lei reconhece que para haver uma intervenção eficaz na conjuntura da violência doméstica e familiar, precisa-se implementar as ações a partir do aspecto de gênero que incluem os homens. (MEDRADO; LEMOS; BRASILINO, 2011).
Segundo Costa, Porto e Diehl (2016) reconhece-se que a Lei Maria da Penha, embora não tenha reduzido a violência doméstica, tem o seu grande papel gerando visibilidade diante desse problema social. No entanto, nota-se que sua finalidade sendo ela concreta ou não, é de natureza punitiva e não educativa. Desta forma, é preciso enxergar o homem autor de violência além do viés de agressor, o que não significa que se deva deixar de responsabilizá-lo pelo ato infrator, mas levando em consideração a sua subjetividade e construção social.
4. VIOLÊNCIA DE GÊNERO
A Lei 11.340/2006 da Legislação brasileira denominada de Lei Maria da Penha oportunizou que fosse dada a atenção sobre a violência de gênero considerando-se a construção social, cultural e política do vínculo relacional entre homens e mulheres. Destaca-se que a mesma Lei promove centros de reabilitação e educação aos agressores orientando a atuação do comportamento violento. No entanto, tais medidas são um grande desafio na atualidade, visto que tais ações quando atuam juntamente com as ações voltadas às vítimas, podem beneficiar a todos os envolvidos quanto ao enfrentamento da violência contra as mulheres. Infelizmente no Brasil, não há muitas pesquisas que visam os homens autores de violência doméstica o que impacta diretamente na visão desse homem como sujeito portador de direitos com necessidades de saúde e apoio. (MADUREIRA et al, 2014)
Ainda permanecem desconhecidas as causas que permeiam a violência de homens contra as mulheres. No entanto, destacam-se duas teorias etiológicas que influenciam a temática. Como aponta Lima, Buchelle e Clímaco (2008): “. A primeira defende a idéia da transmissão da violência de uma geração para a outra, enquanto a segunda coloca a questão de poder e dominação masculina sobre as mulheres no centro do debate.”. Embora haja muita pesquisa no campo da biogenética que busca enganchar a violência cometida pelos homens com predisposições genéticas, acredita-se que os recursos mais utilizados são aqueles que são reproduzidos e aprendidos mediante linguagens, símbolos e os laços que nos constituem.
Madureira et al (2014) destaca a grande importância de conhecer o homem que se encontra no contexto da violência de gênero, levando-se em consideração não apenas o discurso da vítima, mas também da parte que a praticou, tornando o homem como parte da relação do casal enfatizando assim a dinâmica relacional. Se houver investimentos em pesquisas voltadas aos homens autores de violência, podem haver contribuições nas estratégias e implementações de políticas para o enfrentamento em detrimento da visibilidade do perfil da agressão.
Conforme Nothaft, (2015, p. 5), “a ideia de que o motor da violência está na dominação de gênero (contida na expressão “violência contra a mulher”) reduz um problema por natureza complexo e dinâmico a um fenômeno estático e de causalidade única.” As experiências de violência dentro do contexto do relacionamento são diferenciadas pela intensidade, frequência e forma como se produzem, mas está muito além da leitura bidimensional que categoriza a mulher como vítima e o homem como agressor. É preciso desmistificar o paradigma que trata a mulher apenas como subjugada e o homem como violento. As relações precisam ser visualizadas como fora da conjuntura padronizada e dos papeis engessados.
De acordo com Madureira et al (2014), mesmo diante da agressividade vivenciada, grande parte das mulheres permanecem com o agressor. Exposto isso, enfatiza-se a importância de se abarcar os homens autores de violência em prol da atenção e prevenção.
Referente ao estudo sobre os papeis de homens e mulheres na relação trazem subsídios para compreensão de diferentes tipos de influência entre os casais, sendo o “tradicional patriarcal” o mais significativo para o entendimento da violência contra a mulher. (MONTEIRO, 2012)
Conforme explanado por Kaufman (1999, apud, Lima; Büchele; Clímaco, 2008), foi desenvolvida uma estrutura denominada “Sete P” da violência dos homens” que visa assimilar a natureza complexa da violência cometida pela população masculina. Abaixo destaca-se cada um deles e sua representação:
• Poder patriarcal: sociedades governadas pelos homens em estruturas hierárquicas da violência dos homens sobre as mulheres que constitui um ambiente de poder da população masculina;
• Privilégios: as violências não ocorrem apenas pela desigualdade de poder, mas de uma crença de merecimento sobre privilégios atribuídos às mulheres;
• Permissão: a violência do homem contra a mulher é estimulada devido à cultura e sociedade, códigos penais e algumas religiões, assim como é banalizada em esportes e filmes a violência de homens contra outros homens;
• Paradoxo do poder masculino: o poder individual e social do homem é isolado do contato afetivo com outras pessoas;
• Armadura psicológica da masculinidade: os aspectos que podem aparentar um contexto feminino são negados e rejeitados;
• Pressão psíquica: desde a infância, os homens crescem para não expressar emoções ou sentimentos de medo, carinho ou fragilidade. Em contrapartida, a raiva é uma emoção permitida;
• Experiências passadas: presenciar violência cometida por outros homens na infância, principalmente dos pais, pode configurar as situações como condutas a seguir na vida adulta.
Sendo assim, evidencia-se a importância de se compreender a presença do homem no enredo da violência, levando-se em consideração sua subjetividade, não somente quando é derivada dos modelos de gênero da sociedade. (LIMA, BUCHELE; CLÍMACO, 2008)
De acordo com Beiras, Ried e Toneli (2011), a violência de gênero é pensada a partir da relação “coisificada” do outro que tange a relação de assimetria e desigualdade. Posto isso, considera-se violento tudo aquilo que sobrepuja os limites do sujeito, desestruturando a sua subjetividade. Ainda de acordo com os autores:
Quando se trata de violência doméstica, isso significa que essa invasão é vivenciada, muitas vezes, com alguém que tem um lugar de referência para aquele que sofre a situação, o que faz com que no desenrolar desse processo se misturem sentimentos contraditórios de amor e ódio. (RIBEIRO, 2004, apud BEIRAS, 201, p. 5)
A violência é caracterizada como um problema de saúde pública, enfatizando-se a questão mental, pois deriva da “construção cotidiana, individual e coletiva do ser humano em relação aos seus sentimentos, seu corpo, sua sexualidade e seu meio.”. (BEIRAS; RIED; TONELI, 2011, p. 6) A dinâmica relacional entre saúde mental e violência se dá nessa circunstância.
Minayo (1994, apud, LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008) relata que a violência é um agregado fenômeno biopsicossocial que se configura nos problemas das relações humanas, psicologia, política, direito, economia, etc.
Por fim, para compreender-se a violência de gênero, é necessário incluir os processos de socialização masculina e a forma como são significativas na sociedade, visto que os homens “são educados para reprimir suas emoções, sendo a agressividade, incluindo a violência física, formas geralmente aceitas como marcas ou provas de masculinidade.”. (LIMA; BUCHELLE; CLÍMACO, 2008, p. 75).
4.1 GÊNERO E MASCULINIDADE
Formamos a nossa primeira identidade a partir de nossos corpos e sexo, definindo assim perante a sociedade se seremos dominadores ou dominados (homem e mulher). É uma relação de poder que é construída apenas levando-se em consideração as características biológicas. (MONTEIRO, 2012)
Os papeis são formados em função da identidade da família que transmitem ao sujeito desde o seu nascimento, conforme o sexo, os valores, crenças e regras de acordo com o meio em que ele está inserido, direcionando-o em sua forma de agir. (MONTEIRO, 2012).
Ainda segundo a mesma autora:
A educação que meninos e meninas recebem de suas famílias ocorre de forma diferenciada, devido às influências dos meios de comunicação de massa. A televisão, os jornais e revistas, o tempo inteiro estão veiculando e contribuindo para a formação de estereótipos sobre o que é ser mulher/menina e homem/menino, criando essa imensa dicotomia entre os sexos. Homem não pode agir como mulher, tem que se diferenciar em comportamentos e emoções, caso o contrário, a sociedade coloca sua masculinidade em dúvida, pois ele precisa demonstrar mais força, virilidade e poder do que a mulher (AZEVEDO, 1985, apud, MONTEIRO, 2012, p. 9).
De acordo com Monteiro (2012), os papeis de gênero são designados em função da sociedade, no entanto, o que os determina não são as características biológicas, mas sim os seus aspectos psicológicos e sua dinâmica relacional dentro de um contexto biopsicossocial. A feminilidade e a masculinidade devem ser compreendidas de forma mais abrangente, não apenas em padrões sociais. (HEILBORN, 1996, apud, OLIVEIRA; SOUZA; MARODIN, 2000; SAFFIOTI, 2004)
Segundo Lima, Buchelle e Climaco (2008), o que apenas muito recentemente começou a ser discutido é que, ao se falar sobre gênero, podemos e devemos utilizar a frase de Beauvoir para também nos referirmos aos homens: “Não se nasce homem, torna-se homem!”.
Em se tratando de gênero, conforme Scott (1995, apud, LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008, p. 73), representa: “[...] uma forma de identificar ‘construções culturais’ – a criação inteiramente social de idéias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e mulheres.”.
Nos trabalhos empregados com a população masculina discutem-se os papeis de gênero para os homens e os papeis tracionais, provenientes de comportamentos e atitudes que são estruturados de acordo com a raça, etnia e elementos sociais e econômicos, denotando o grande impacto na vida das mulheres e crianças. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008)
Para Lima, Buchelle e Climaco:
Um dos destaques deste campo é o conceito de “modelo hegemônico de masculinidade”, definido por Connell (1995) como uma configuração de gênero que incorpora a resposta atualmente aceita para o problema da legitimação do patriarcado, garantindo a posição dominante dos homens e a subordinação das mulheres. (2008, p. 73) Ou seja, ainda de acordo com os autores, é um modelo de masculinidade dominante, provedora, viril com as mulheres, preferencialmente branca.
Segundo Lima, Buchelle e Climaco (2008), o caráter relacional entre homens e mulheres é o foco dos crescentes debates e estudos não para a inclusão dos homens na área da saúde, mesmo que nunca tivessem sido excluídos, mas sim enfatizando pela ótica de gênero. Sendo assim, as políticas de gênero devem sair do viés de apenas compreender e representar a mulher, para também abranger o envolvimento dos homens de forma a galgar a equidade entre os gêneros.
Silva et al (2015) aborda as questões de gênero como construções que podem ser dinâmicas e ressignificadas nas relações, não se tratando apenas de padrões pré-estipulados. Sendo assim, os papéis masculino e feminino se desenvolvem e se transformam ao longo da cultura e história do sujeito, discutindo-se a igualdade, mas sem deixar de lado a subjetividade de cada um.
A forma como o sujeito significa o mundo, a si mesmo e aos outros se dá durante a interação. Esses significados concedem a troca de complexas experiencias e comunicação nos contextos psicossociais diversos. Sendo assim, há uma construção que transforma o cultural em natural, bem como torna coerente a cultura como um dos mais importantes aspectos que concebem o desenvolvimento humano em se tratando dos papeis masculinos e femininos. (SILVA et al, 2015)
Discutindo a representação de gênero, trata-se de uma construção cultural das identidades subjetivas de homens e mulheres e sobre o que se considera “adequado” quanto aos papeis sociais. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008)
Abordar homens e gênero abre possibilidades para se perceber os homens não como modelo hegemônico tradicional patriarcal, mas sim em suas pluralidades e diversidades. Há o constructo da subjetividade e do contexto biopsicossocial, sendo construídas e reconstruídas ao longo de suas vidas. (LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008).
Os homens também perpassam por sofrimento psíquico, não somente as mulheres, e à masculinidade é dada pouca importância quando se trata dos aspectos sociais e de identidade de gênero que podem levar o sujeito ao adoecimento. Levando-se em consideração essa temática, a reflexão feita por Schraiber et al (2005, apud, LIMA; BUCHELLE; CLIMACO, 2008) questiona o seguinte: “Vale a pena trazer a temática de homens e masculinidades para a pauta dos estudos de saúde e gênero?”. Faz-se importante frisar que devido ao atual cenário, é preciso ter um novo olhar para que os homens não mais sejam vistos como parte dos problemas, mas sim como parte das soluções.