Pedro Katchborian em 24 de fevereiro de 2017
Sentados em uma grama alta, pouco mais de 20 atletas devidamente uniformizados se reúnem em Blumenau, Santa Catarina. Ao redor, o silêncio só não prevalece porque há os sons da natureza. Os atletas fazem parte da Seleção Brasileira de Handebol e estão praticando mindfulness, uma técnica de meditação de atenção plena.
A presença de psicólogos do esporte em comissões técnicas não é novidade. A vasta maioria dos clubes profissionais contam com funcionários especializados em lidar com desejos, frustrações e a ansiedade de competir em alto nível. Aos poucos, o treino mental é considerado tão importante quanto o físico ou o tático. Marcelo Demarzo, instrutor de mindfulness com treinamentos na Inglaterra e nos Estados Unidos, já trabalhou com diferentes atletas e participou dessa imersão da Seleção Brasileira de Handebol em 2015.
Marcelo detalha a intenção da prática: “o objetivo é aumentar a atenção e a concentração, mas atuamos principalmente na regulação do estresse, além de lidar com a ansiedade e depressão”, afirma.
As técnicas de mindfulness podem ajudar pessoas com diferentes tipos de problemas, mas os atletas costumam lidar com uma pressão diferente: o medo de falhar. “É natural do esporte. Então trabalhamos isso e o chamado ‘selftalk’ negativo, que é aquela vozinha interna que diz que estamos muito cansados para continuar”, completa.
Demarzo sabe que é difícil mensurar melhorias no desempenho de atletas com o mindfulness, já que é algo multifatorial (mental, físico, tático), mas ele conta que já lidou com atletas que apresentaram melhoras significativas. “Lidei com um que teve uma intercorrência cirúrgica e melhorou muito a qualidade de vida após o aprendizado”, diz.
Novak Djokovic, mindfulness e os segredos do sucesso
A meditação em atletas de alto nível tem sido apontada como um dos segredos para o sucesso no esporte. Exemplos não faltam: Novak Djokovic, atual tenista número 1 do mundo, disse que as práticas de mindfulness o ajudaram muito a lidar com a pressão em seu livro “Sirva para Vencer”. Ele diz, em trecho retirado do livro:
Eu me dei conta de quanta energia negativa enviava para o meu cérebro. Assim que consegui focar em retroceder um pouco e analisar meus pensamentos objetivamente, eu vi claramente: uma quantidade maciça de emoções negativas. Insegurança, raiva, preocupações com a vida e a minha família. Medo de não ser bom o bastante. Que talvez meu treinamento estivesse errado. Que minha estratégia para a próxima partida estava errada. Que eu estava perdendo tempo, desperdiçando potencial.
Talvez o maior exemplo dessa conexão entre mindfulness e atletas seja alguém que você provavelmente desconhece: George Mumford. À primeira vista, George tem todos os trejeitos de um jogador de basquete, alto e com mãos grandes. E ele realmente tentou: era companheiro de quarto de Julius Erving, um dos maiores jogadores da NBA, liga profissional de basquete dos EUA. Enquanto isso, Mumford sofreu lesões e sentia dores, impedindo que seu sonho se tornasse realidade.
George renunciou à vida profissional no basquete, mas achou no mindfulness uma maneira de se conectar com o jogo. Ele estudou com Jon Kabat-Zinn, um dos maiores nomes da técnica, aprendendo a lidar com a ansiedade. Anos depois, Phil Jackson, treinador do Chicago Bulls, chamou George para trabalhar com a equipe. Os trabalhos de meditação ajudaram o time, que contou com a volta de Michael Jordan após uma temporada tentando emplacar no beisebol. Mumford trabalhou com Jordan e Kobe Bryant para eliminar distrações e alcançar a melhor performance possível.
Ele conta essas histórias em seu livro, lançado em 2015, chamado “Mindful Athlete”. Na obra, ele detalha como mente, corpo e espírito são inseparáveis. “Ele acredita que temos uma faísca divina ou uma divindade dentro de nós, que você chama de consciência cristã, natureza budista ou natureza divina. Ao praticar mindfulness e ficar mais consciente, você pode expor a beleza e a grandeza que está dentro de nós”, afirma Michael Sandler, do Huffington Post, em resenha do livro.
Seleção Brasileira de Handebol é exemplo
Em certos esportes e comissões, o mindfulness pode gerar desconfiança. Treinos físicos são complementados com sessões de meditação e técnicas de respiração. Demarzo faz questão de introduzir o tema aos poucos para que não haja preconceito com a técnica. “Fazemos palestras introdutórias em que apresentamos os programas e as práticas. Temos o apoio da equipe técnica e da equipe de treinadores”, afirma.
Outro fator importante é que o mindfulness costuma agir na qualidade de vida do atleta fora do ambiente esportivo. “Há a questão da regulação emocional. Eles lidam com o estresse melhor, com dores crônicas. Eles são chamados de efeitos “colaterais do bem”, destaca.
Demarzo explica que o Brasil ainda está longe de outros países quando o assunto é mindfulness e esporte. “Na Europa e Estados Unidos eles estão 10, 20 ou 30 anos à nossa frente”, explica. Mesmo assim, há quem aplique a técnica em nosso país: é o caso de Luigi Turisco, preparador físico da Seleção Brasileira de Handebol e que chamou Marcelo Demarzo para introduzir o tema com os atletas.
Formado em Educação Física, Luigi trabalha há mais de 20 anos com preparação física, mas conhece e pratica de yoga há mais de uma década. Após a experiência com Demarzo, ele começou a trabalhar com o mindfulness antes das competições e treinos. Ele comenta sobre os benefícios: “são pessoas bem agitadas e é uma ferramenta importante para que essas atletas tenham uma condição melhor“, comenta. Ele admite que no começo houve brincadeiras, mas assim que os jogadores perceberam a melhora de desempenho e qualidade de vida, começaram a procurá-lo para saber mais sobre a meditação.
Luigi trabalha diferentes técnicas. Algumas visam elevar a concentração, outras buscam uma consciência corporal maior. Contagem combinada com respiração, visualização e meditação envolvendo partes corporais específicas são algumas das atividades.
Outro trabalho do preparador é na academia: ele sugere que os atletas façam o treino em silêncio, evitando conversa durante o treino, para que haja mais consciência corporal e o risco de lesão diminua. “Não foi algo imposto de maneira radical e cada vez temos um repertório maior de técnicas. Então virou algo corriqueiro”, explica.
O preparador afirma que percebeu várias mudanças em relação a comportamento e desempenho de atletas. “Alguns atletas eram agitados mentalmente e tinham dificuldade de se concentrar. Percebemos que houve melhora de 20% a 30% em acertos de situações de jogo, como passes e arremessos”, diz. Além disso, alguns jogadores melhoraram a qualidade de vida e conseguiram lidar melhor com lesões, conseguindo encarar a situação de maneira mais madura.
Em 2015, antes do Jogos Panamericano, Luigi resolveu fazer um teste para comprovar a eficácia do mindfulness com os atletas. “Montei dois grupos: um que fazia a preparação mental e outro que não. Treinamos e depois fizemos a avaliação com um exame chamado CK, uma mensuração de desgaste muscular. Foi absurda a diferença dos atletas que praticavam a preparação mental. Estavam bem menos desgastados”, diz. A equipe acabou ganhando os Jogos Panamericano com vitória sobre a Argentina e só houve uma lesão no campeonato inteiro. Nos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, não houve nenhuma.
Falta olhar para o lado humano
Thiagus Petrus é um dos principais nomes da Seleção Brasileira de Handebol. O capitão da equipe, que atualmente joga pelo Mol-Pick, da cidade de Szeged, da Hungria, foi um dos impactados pela iniciativa de Luigi. “No começo da carreira eu não prestava muito atenção nisso. Eu estava concentrado, mas nunca tinha parado para pensar nessa questão”, comenta. Após contato com uma psicóloga quando jogava pelo Pinheiros, em 2009, Petrus começou a se atentar mais para o aspecto mental, mas foi o contato com Luigi que o fez dar tanta importância para os trabalhos de concentração. A mudança no desempenho apareceu. Ele detalha:
"Percebi os erros que eu tinha nos jogos, às vezes demorava 20 ou 30 segundos para digerir um momento e não ficava totalmente concentrado. E de uns anos para cá posso até perder 1 ou 2 segundos, mas nada que interfira no jogo".
Além das mudanças em jogo, Petrus também percebe uma melhora em relação a consciência corporal. No último mês de janeiro, ele acabou sendo cortado do Mundial de Handebol por uma lesão no músculo adutor da coxa. Em recuperação, ele diz que precisa jogar. “Eu consigo usar o meu corpo de uma forma mais plena. Estou 60% ou 70%, mas eu tenho que jogar”, diz. Ele explica que a consciência corporal que obteve o faz saber o seu limite.
Petrus também reforça que os clubes deveriam dar mais atenção para a concentração dos atletas. “Às vezes a gente foca no tático, no técnico, mas esquece do lado humano, que é o que vai decidir o esporte. Se o lado humano estiver funcionando, se os atletas conseguirem uma concentração, vai ser bem melhor”, completa.
Uma necessidade. É assim que Luigi conclui a presença do mindfulness no âmbito esportivo. “Eu não consigo ver a preparação do atleta sem o aspecto mental“, diz. No Brasil, há resistência principalmente relacionado ao tão tradicional futebol. Ele lembra de um seleção de futebol que fez um trabalho bem aprofundado com mindfulness e meditação: a Alemanha de 2014.
https://youtu.be/SCR7OfRuQd4
www.freetheessence.com.br/unplug/corpo-e-mente/mindfulness-atletas-alto-nivel/
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