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Violência doméstica - Lobo Frontal e a parte inferior do cérebro.

Foto do escritor: Gilsom Castro MaiaGilsom Castro Maia

Atualizado: 21 de jun. de 2020

Eu sou psicólogo e trabalho em um projeto sócio educativo e reflexivo chamado Tempo de Despertar que atende homens autores de violência doméstica, autuados pela Lei Maria da Penha e atendo homens de uma grande variedade de padrões econômicos e sociais, assim como de naturalidades diferentes, nascidos em são Paulo ou oriundos de outras capitais que vieram morar em São Paulo. Notei que, quando se fala em violência, quase todos os homens têm pelo menos uma história de violência em suas famílias. Eu gosto de observar os outros homens escutando, as vezes perplexos com a calma do outro participante do grupo ao descrever os episódios de violência sofrida, provocada ou presenciada. Em outras nacionalidades a violência doméstica não é diferente.

É impressionante como nos acostumamos com essa realidade. Eu fiz várias viagens pela Europa e visitei Alemanha, Inglaterra, Irlanda, Espanha, França, Itália e Portugal. E fiz uma pesquisa para saber se a violência doméstica nesses países e cidades visitadas era diferente. E a conclusão da pesquisa foi que a violência doméstica existe, independente da cultura local, condição sócio econômica, nacionalidade e ou naturalidade.


Com alta criminalidade, corrupção, violência doméstica, altos índices de exclusão social, discriminação e impressionante disparidade na distribuição de riquezas, o Brasil é um país de traumatizados.

O que acontece quando todo esse quadro de violência não vai embora nunca? E ficamos constantemente expostos à violência? Essa é a parte importante, que nos ajuda a compreender o comportamento dos indivíduos que se mantem no ciclo da violência doméstica ou no espectro da violência. Precisamos falar do cérebro. Mais especificamente, do lobo frontal e a parte inferior do cérebro. Vou fazer uma explicação bem por cima e simplificada, e para haver um entendimento geral sobre como um comportamento ocorre. Não entrarei em muitos detalhes neuropsicológicos e ou neurocientíficos.

Quando nascemos, o lobo frontal está em desenvolvimento. O lobo frontal se desenvolve conforme crescemos e não está funcionando muito bem até nos tornarmos adultos – às vezes nem depois disso. O lobo frontal é a parte do cérebro responsável pelo

raciocínio lógico, pelo aprendizado, pela capacidade de controlarmos nossas emoções e comportamentos (controle inibitório). Bebês não sabem fazer nada disso. Por isso eles choram quando sentem fome, frio, calor, falta da mãe, tédio, fralda molhada etc. Por isso também eles fazem cocô quando têm vontade e vomitam nas pessoas sem nenhum pudor. O lobo frontal deles vai aos poucos aprender a controlar essas coisas e se adequar ao mundo a seu redor.

A parte inferior do cérebro, no entanto, está funcionando e trabalhando intensamente. Essa parte do cérebro:

“contém sete forças hormonais enormes que são os sistemas emocionais geneticamente arraigados, divididos em

Três sistemas de alarme:

- RAGE (frustração, irritação),

- FEAR (medo)

- PANIC/GRIEF (pânico, perda, angústia da separação)

Três sistemas calmantes, de bem-estar e pro-sociais:

- CARE (afeto),

- SEEKING (procurando, desejo, antecipação)

- PLAY (brincadeira, alegria, despreocupação)

E, finalmente:

- LUST (acasalamento).

Esses sistemas são como músculos, quanto mais os ativamos, mais eles se tornam parte da personalidade”. (Sunderland, 2016, p.19)

Sem o lobo frontal desenvolvido, um bebê não tem capacidade de controlar suas emoções, que são o resultado da ativação desses sistemas hormonais. O bebê precisa de um adulto para fazer isso por e para ele. Quando um bebê tem um sistema de alarme ativado (por exemplo, o sistema FEAR é ativado pela presença de uma pessoa desconhecida), ele chora descontroladamente. Quando a mãe pega o bebê no colo e o acalma, o sistema CARE é ativado, e o bebê para de chorar porque hormônios pro-sociais estão se espalhando pelo corpo dele. Conforme crescemos e o nosso lobo frontal se desenvolve, aprendemos a controlar nossas emoções com raciocínio. Digamos, por exemplo, que uma cena particularmente medonha de um filme de terror ativou o seu sistema FEAR. Rapidamente, o seu lobo frontal te lembra que é apenas um filme e o sistema PLAY é ativado, você ri de si mesmo e continua vendo o filme.

A ativação dos sistemas pro-sociais acalma, deixando-nos em um estado que beneficia o desenvolvimento do lobo frontal. Quando estamos relaxados e nos sentindo seguros, é hora do nosso cérebro aprender e do nosso organismo alocar nossas energias no desenvolvimento cerebral. Quando os sistemas de alarme são ativados – por exemplo, há um urso correndo em nossa direção – nosso corpo desvia todos os seus recursos para uma ação rápida, sem pensar muito: corre! Nessas situações a adrenalina e o cortisol (o cortisol é famoso por causar os sintomas físicos do stress, como dor muscular) são liberados e a nossa preocupação é sobreviver.

Dá para imaginar, então, a frequência com que os sistemas de alarme são ativados no indivíduo quando criança e adultos ao terem vividos e ou experienciados traumas de violência intrafamiliar, desemprego, insegurança, medos, cobranças, manutenção de uma masculinidade que gera relacionamentos tóxicos, dúvidas sobre suas sexualidades : todas essas coisas podem ativar os sistemas de alarme, os mesmos sistemas que são ativados quando tememos por nossas vidas. A esporádica ativação não vai te matar, mas a ativação frequente tem seus perigos.

Como explica Sunderland, quanto mais esses sistemas são ativados, mais sensíveis eles se tornam. Enquanto crianças que cresceram em um ambiente seguro, com pais atentos e bastante estímulo (brincadeiras, passeios, regras sociais, etc.) têm os seus sistemas pro-sociais constantemente ativados e se tornam adultos resilientes e confiantes, crianças que crescem em um ambiente abusivo, violento ou cheio de inconstâncias, têm seus sistemas de alarme ativados com frequência. Uma ampla quantidade de estudos indica que traumas na infância preveem uma série de problemas na vida adulta, desde ansiedade e depressão, entre outros problemas de saúde, até comportamento criminoso.

No Reino Unido, estima-se que mais de 40% da população esteja vulnerável a esses efeitos (conhecido em inglês como insecure attachment), devido a uma infância não ideal. A porcentagem é semelhante em outros países ricos. Embora não tenhamos os mesmos dados para o Brasil, é possível que essa porcentagem seja maior, e até semelhante a países em guerra, devido à alta exposição a traumas.

Quando falo de trauma, não me refiro apenas a acontecimentos que todos concordamos serem terríveis, como abuso sexual e violência física; situações muito mais sutis, como abuso psicológico prolongado, situação de dificuldade financeira e negligência podem causar danos semelhantes}

O que essas pessoas que sofrem ou sofreram violência procuram desesperadamente? Se sentir seguras. Da mesma forma que uma criança com medo procura pelos pais para receber um abraço calmante, nós adultos procuramos em outras pessoas uma forma de nos sentirmos seguros quando nosso lobo frontal não está dando conta sozinho. Para pessoas que sofreram trauma, ou que simplesmente tiveram seus sistemas de alarme ativados com muita frequência por um período prolongado, é comum confiar cegamente naquela pessoa que prometeu cuidar dela, protegê-la, e se metem em um relacionamento abusivo.

O Brasil é essa pessoa, cheia de trauma e ansiedade social, entrando em um relacionamento abusivo social, político, religioso e a violência na qual estamos expostos constantemente é aquela droga que promete uma escapada da realidade, mas que a longo prazo vai trazer efeitos colaterais terríveis. Nós tomamos essa droga quando estamos desesperados. O Brasil está desesperado. E assim como uma pessoa que se submeteu a um relacionamento abusivo com um parceiro agressivo, não é na primeira vez que apanha que o relacionamento vai terminar. Nós deixamos acontecer de novo, e de novo, porque nos abraçamos àqueles momentos em que essa pessoa nos fez sentir seguros. Criamos desculpas para ela, ouvimos suas explicações e as aceitamos, acreditamos que é um pequeno preço a pagar para termos acesso ao lado bom dela.

E qual é a pior coisa para dizer a essa pessoa sofrendo abuso? “Viu só! Falei para você que ele não prestava”.

A melhor coisa a fazer: oferecer abrigo, suporte emocional, ajudar essa pessoa a se sentir segura sem o parceiro (a) abusivo (a), mostrar que ela não está sozinha e ao mesmo tempo ser claro e assertivo que esse relacionamento não é saudável.

Em tempos violentos, o que precisamos é de união, apoio, compreensão. A divisão e a segregação só vão fazer esse relacionamento durar. Vamos mostrar que o Brasil pode mudar o quadro de violência doméstica. Vai ser difícil, mas o lobo frontal nos ensina que o melhor comportamento as vezes precisa de uma boa dose de autocontrole.

Referencias:

Rifkin, J. (2009). The Empathic Civilization. New York: Penguin.

Sunderland, M. (2016). The Science of Parenting. 2nd New York: DK.

Sutherland, S. (2013). Irrationality. 2nd London: Pinter and Martin.

Zeedyk, S. (2015). Sabre Tooth Tigers &Teddy Bears. Video recording, YouTube, viewed 21 Feb, 2018, https://www.youtube.com/watch?v=zsAV_qez7SE&t=5932s

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