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Foto do escritorGilsom Castro Maia

SEGURANDO DONALD WOODS WINNICOTT.

Atualizado: 21 de jun. de 2020

Para Winnicott a criança nasce indefesa e com um conjunto desorganizado de pulsões (desejos), instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme progride o desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de si e do mundo externo. (Bleichmar e Bleichmar, 1992).

É um ser desintegrado, que percebe de maneira desorganizada os diferentes estímulos provenientes do ambiente que está inserido. O bebê nasce também com uma tendência para o desenvolvimento. A tarefa da mãe é oferecer um suporte adequado para que as condições inatas (próprias da criança) alcancem um desenvolvimento ótimo.

A mãe funciona como um ego auxiliar, já que o ego da criança ainda está em desenvolvimento. Pois ao nascer o bebe tem uma dependência total e absoluta em relação a mãe (cuidador) e ao ambiente que está inserido, e é este ambiente quem proverá as necessidades fisiológicas e emocionais do bebe.

A dependência é vista como “absoluta” (fase da dependência absoluta) porque não haveriam chances de sobreviver sem os cuidados do ambiente (mãe). Há uma total dependência. O bebê depende totalmente, mas o interessante é que ele desconhece esse estado de dependência, pois entende que ele e o meio são uma coisa só. É nesse momento que a mãe age, para o atendimento às necessidades do bebê, através de três funções maternas exercidas simultaneamente:

O holding (o segurar, o sustentar a criança) feito pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de não-integração, que caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O vínculo entre a mãe e o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das capacidades inatas do indivíduo. E deve levar em consideração a sensibilidade epidérmica da criança – tato (toque), temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade às quedas – assim como o fato de que a criança desconhece a existência de tudo o que não seja ela própria. Inclui toda a rotina de cuidados ao longo do dia e da noite. A sustentação compreende, em especial, o fato físico de sustentar a criança nos braços, e que constitui uma forma da criança se sentir protegida das agressões fisiológicas. É a disposição empática e afetiva para perceber e atender as necessidades do bebe e que se caracterizam através do handling.

O Handling (o manipular) acontece quando uma mãe segura seu bebe e o alimenta, percebe que ele está desconfortável e o muda de posição, troca sua fralda, lhe dá banho e exerce outras inúmeras tarefas.

Então, tanto o holding (psicológico e físico) e o handling são essenciais ao bebe ao longo de seu desenvolvimento, e o serão por toda a sua vida. O ambiente de holding jamais perde a sua importância no desenvolvimento da criança e em toda a sua vida.

A apresentação do Objeto, é a função da apresentação do seio ou da mamadeira. Em razão de seu estado vital a criança passa a “esperar” algo, e esse algo surge e ele, naturalmente, aceita o objeto oferecido. É nesse momento que o bebê tem a ilusão de ter “criado” esse objeto para a sua satisfação. Ele estava quase imaginando-o (no ato de levar o dedo a boca e suga-lo) quando o objeto surgiu. É com esta “ilusão” que o bebê tem uma experiência de onipotência. Ou seja, é como se o objeto adquirisse existência real quando desejado e esperado. à medida que a mãe vai sempre estando à sua disposição esta ilusão vai sendo reforçada e, ao mesmo tempo, protegendo-o de fontes de angústia que seriam insuportáveis.

Winnicott chamada de mãe suficientemente boa, a mãe que realiza bem as três funções citadas acima (holding, handling e a apresentação do objeto) ou seja, boa o suficiente para que o bebê possa conviver com ela sem prejuízos psíquicos. Ela representa o “ambiente bom” e permite que a criança coloque em prática sua tendência inata ao desenvolvimento e continuidade da vida fazendo emergir o verdadeiro self.

Para Winnicott, haveriam dois aspectos no self que estariam presentes em qualquer ser humano em proporções variadas: um verdadeiro self e um falso self.

O verdadeiro self é a pessoa que é eu e apenas eu, a pessoa que se constrói a partir do emprego de suas tendências inatas. Este self se manifesta nos gestos espontâneos e nas ideias pessoais, pois só o verdadeiro self é criador e pode ser sentido como real. Ele é o resultado de uma mãe suficientemente boa.

O falso self é a principal reação do bebê às falhas de adaptação da mãe (mãe insuficientemente boa). O bebê renuncia à esperança de ver suas necessidades satisfeitas e vai adaptando-se aos cuidados que não lhe convêm. É aí que ele passa a adotar um modo de ser falso e artificial. Com isso, o indivíduo experimenta sentimentos de irrealidade e falta (espécie de vácuo) a respeito de si mesmo, dos outros e da vida, e pode se comportar como um ser que se, não se adapta, mas se funde ao ambiente passando a reagir especularmente (como reflexo, espelho).

E quando a mãe é insuficientemente boa? Isto ocorre quando a mãe não se identifica com as necessidades do filho, não responde aos seus gestos. Surge daí uma “adaptação falha ao bebê” devido à divisão da mãe em “pedaços”. Nesse caso, trata-se mais de uma mãe ausente e cujo apego à criança é simplesmente comum.

O papel da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe permita integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades motoras nascentes.

Quando a mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do recém-nascido; a criança perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua continuidade existencial, a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de que todas as suas percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do perigo a que se vê exposta. Pouco a pouco, procura substituir a proteção que lhe falta por uma “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em uma casca, às custas da qual cresce e se desenvolve o self. O indivíduo vai se desenvolvendo como uma extensão da casca, como uma extensão do meio atacante.

Winnicott diz que a “mãe boa” é a que responde a onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido. O self verdadeiro começa a adquirir vida, através da força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá ao ego débil da criança. A mãe que “não é boa” é incapaz de cumprir a onipotência da criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao gesto da mesma, em seu lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão constitui a primeira fase do self falso e é própria da incapacidade materna para interpretar as necessidades da criança.

Nos casos mais próximos da saúde, o self falso age como uma defesa do verdadeiro, a quem protege sem substituir. Nos casos mais graves, o self falso substitui o real e o indivíduo. Winnicott diz que na saúde o self falso se encontra representado por toda a organização da atitude social cortês e bem-educada. Produziu-se um aumento da capacidade do indivíduo para renunciar a onipotência e ao processo primário, em geral, ganhando assim um lugar na sociedade que jamais se pode conseguir manter mediante unicamente o self verdadeiro. O falso self, especialmente quando se encontra no extremo mais patológico da escala, é acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade.


QUE DISTÚRBIOS PSÍQUICOS PODEM RESULTAR DA MÃE INSUFICIENTEMENTE BOA?

É importante destacar que, neste momento, as falhas da mãe não são sentidas como “frustração”. O que as falhas provocam são carências na satisfação de necessidades, dificultando o desenrolar de seu desenvolvimento.

Resultando uma angustia que é impensável e surge como “ameaça de aniquilação do eu” (despedaçamento, impressão de queda infindável, sentir-se levado para alturas infinitas, ausência de relação com o corpo, ausência de orientação espaço-temporal) – a essência da angústia psicótica. Claro que o bebê pode encontrar formas de “arranjar-se”, pois não há determinismo, mas podem surgir organizações patológicas da personalidade, como:

– Autismo ou esquizofrenia infantil;

– Esquizofrenia latente (que se manifesta em fases de tensão e fadiga);

– Estado limítrofe (o paciente apresenta-se como neurótico, mas o núcleo do distúrbio é psicótico);

– Personalidade esquizoide (personalidade sadia com elementos esquizoides);

– Personalidade baseada no falso self;


A FASE DA “DEPENDÊNCIA RELATIVA”

A dependência é relativa porque a criança se conscientiza de sua sujeição (6 meses aos 2 anos, na primeira fase ela não se vê separada, mas fundida à mãe), e tolera melhor as falhas de adaptação da mãe, tirando proveito delas para se desenvolver. Isso porque a criança já percebe a existência de uma realidade, externa, separada dela. Ela, a criança, também já consegue se antecipar aos acontecimentos e prever as ações de sua mãe.

Por seu lado, a mãe se desliga um pouco do estado intenso de identificação e retoma outras coisas de sua vida fazendo surgir as “falhas de adaptação moderadas” que a criança vive sem prejuízo para sua evolução psíquica.

Mas, isso não significa que a mãe esteja dispensada. A criança, por exemplo, pensa estar relacionando-se com duas mães. Uma é a mãe dos momentos calmos, e a outra é a dos momentos de excitação em que a agressividade está presente, principalmente nas refeições. O bebê pode imaginar que a satisfação de sua fome acarreta a deterioração do corpo da mãe. Isso agora lhe preocupa pois ele reconhece que depende da mãe.

Para evitar este sentimento, é importante que a criança ou o bebe perceba que as duas mães, se trata da mesma pessoa. É um processo de integração das duas figuras maternas. Para isso, é fundamental a presença da mãe suficientemente boa. Ela deve sobreviver.

É a representação desta mãe suficientemente boa, a crença em sua existência, que deve ser interiorizada pela criança. A criança passa a perceber que, com sua agressividade, é a essa mãe total e única, que ela pode destruir (angústia depressiva). É daí que advém a culpa, pois a mesma mãe que ataca é a mãe que lhe cuida (culpa depressiva). É por esta angústia e culpa que a criança desenvolve atividades de reparação e restauração, quando sentida como danifica ou destruída, sob a forma de presentes e gestos de ternura. Isso, repetindo, só pode ocorrer, se tiver uma mãe suficientemente boa. Com isso, a criança continua em sua evolução psíquica.

Então, é nesta fase, por volta do segundo semestre de vida, que, depois de ter passado por uma fase de ilusão de onipotência, onde cria os objetos de suas necessidades, a criança vai descobrindo que ela e sua mãe são separadas e que ela depende da mãe para suas necessidades.

É uma fase de desilusão onde a criança desenvolve atividades como, levar os dedos ou algum objeto à boca, como a ponta de um lençol ou fralda; começa a puxar fiapos de lã e fazer bolotas com que se acaricia; sons bucais diversos, etc. Estas atividades têm algo em comum. Elas surgem em momentos em que poderia surgir a angústia (separação da mãe, hora de dormir).

São atividades que Winnicott chama de fenômenos transicionais, e quando envolver um objeto este é chamado de objeto transicional, e são “transicionais” porque ocupam um espaço intermediário entre a realidade interna e a externa (um espaço transicional), com a função de amortecer o choque da conscientização de uma realidade externa.

Então, trata-se da existência de um espaço transicional onde ocorrem fenômenos transicionais que podem, ou não, envolver um objeto transicional. Quando se trata de um “objeto”, ele sempre representa a mãe dos momentos tranquilos. É um momento em que o bebê passa da situação de controle pela onipotência para a de controle pela manipulação, ainda anterior ao reconhecimento da realidade externa enquanto tal.

Esse espaço transicional persiste ao longo de toda a vida. Será ocupado por atividades lúdicas e criativas extremamente variadas. terá por função aliviar o ser humano da constante tensão suscitada pelo relacionamento da realidade de dentro com a realidade de fora (1).

Para Winnicott, o aparecimento deste espaço é sinal de que a mãe da primeira fase foi suficientemente boa. Mas, mesmo aí, se pode detectar uma psicopatologia. Quando, por exemplo, a mãe se ausenta por um tempo que ultrapassa a capacidade da criança mantê-la viva em sua lembrança, pode ocorrer um desinvestimento do objeto.


O objeto transicional representa a primeira posse “não-ego” da criança, têm um caráter de intermediação entre o seu mundo interno e externo.

Em Winnicott o conceito de objeto ou fenômeno transicional recebe três usos diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento; vinculada às angústias de separação e às defesas contra elas; representando um espaço dentro da mente do indivíduo. Ele propõe ainda que em determinadas condições, o fenômeno ou objeto transicional pode ter uma evolução patológica, ou mesmo se associar a certas condições anormais.

O objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro nem fora da criança; servirá para que o sujeito possa experimentar com essas situações, e para ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo e ao interno. Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que o objeto transicional está situado em uma zona intermediária, na qual a criança se exercita na experimentação com objetos, mesmo que estejam fora, sente como parte de si mesma.

Para explicar a constituição do objeto transicional, Winnicott remonta ao primeiro vínculo da criança com o mundo externo, a relação com o seio materno. No princípio, a criança tem uma ilusão de onipotência, vivenciando o seio como sendo parte do seu próprio corpo. Mas, uma vez alcançada esta onipotência ilusória, a mãe deve idealmente, ir desiludindo a criança, pouco a pouco, fazendo com que o bebê adquira a noção de que o seio é uma “possessão”, no sentido de um objeto, mas que não é ele (“pertence-me, mas não sou eu”).

Winnicott comenta que o objeto transicional ocupa um lugar que ilusório (ilusão). Ao contrário do seio, que não está disponível constantemente, o objeto transicional é conservado pela criança. Ela é quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como os fenômenos transacionais “representam” a mãe, é essencial que ela, a mãe, seja vivenciada como um objeto bom. Bleichmar e Bleichmar (1992) relatam que, quando dentro da criança, o objeto materno está danificado, é pouco provável que ela recorra, de maneira constante, a um fenômeno transicional.

Winnicott aponta algumas características que são comuns aos objetos transicionais: a criança afirma uma série de direitos sobre o objeto; o objeto é afetuosamente ninado e excitadamente amado e mutilado; deve sobreviver ao ódio, ao amor, e à agressão. É muito importante que o objeto sobreviva à agressão, possibilitando a criança neutraliza-la, dando-lhe, posteriormente, um fim construtivo, ao notar que esta não destrói os objetos.

A ligação e o afastamento do objeto transicional deixam em cada sujeito uma marca: fica na mente do indivíduo um espaço que, assim como o objeto transicional, é intermediário entre o interno e o externo. É nesse espaço que se produz muitas das atividades criativas do homem, como as artes, a música, etc. que “representam” o mundo interno para o exterior e, em certo sentido, “representa” a realidade para si mesmo.


Os diferentes distúrbios psíquicos ligados ao sentimento de falta de sobrevivência da mãe podem ser agrupados sob o termo “doenças da pulsão agressiva” (tendência antissocial, hipocondria, paranoia, psicose maníaco-depressiva, algumas formas de depressão). Para o tratamento, Winnicott chama a atenção para o fato de que a análise vai cuidar de acontecimentos ligados ao embate entre agressividade e a libido, entre o ódio e o amor, num momento em que a criança se preocupa com as consequências de seu ódio e sente culpa por ele.

O ambiente constitui o esteio indispensável em que o ser humano se apoia para construir as bases de sua personalidade. A partir dessa perspectiva desenvolvimentista, é fácil imaginar que, para Winnicott, o ambiente continua a exercer influência na criança que cresce, no adolescente e até no adulto. Se essa influência descreve uma curva decrescente, ela nunca para por completo. Assistimos ao estabelecimento progressivo de uma interdependência entre o indivíduo e o ambiente. (2).


A INFLUÊNCIA DECISIVA DO AMBIENTE SOBRE O PSIQUISMO

Para Winnicott, o ser humano tem a tendência a se desenvolver e unificar, e o faz através do processo de maturação, ou seja, através da formação e evolução do ego, superego e inconsciente, além dos mecanismos de defesa. A saúde psíquica estaria no livre desenrolar deste processo.

Mas, para isso, é fundamental o papel do ambiente, no caso, o ambiente inicial representado pela mãe ou seu substituto. esta é a interação inicial, só a primeira de muitas outras. Por isso, para Winnicott, a influência do ambiente é decisiva sobre o desenvolvimento psíquico do ser humano. É em função dessa influência que Winnicott vai falar de duas fases iniciais do desenvolvimento: do nascimento aos 6 meses (dependência absoluta) e dos 6 meses aos dois anos (dependência relativa). No estudo destes momentos iniciais reside grande parte da contribuição de Winnicott.


DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO

Winnicott propõe que a maturação emocional se dê em três etapas sucessivas:

· Integração e Personalização

Para Winnicott as experiências iniciais ou diádicas são estruturantes do psiquismo, participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê nasce em um estado de não integração. Onde os núcleos do ego estão dispersos e, para o bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma com o meio ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e a personalização – adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O objeto unificador do ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção (holding).

Na etapa inicial de desenvolvimento a questão primordial é a presença de uma mãe-ambiente confiável que se adapte às suas necessidades de maneira virtualmente perfeita. Gurfinkel (1999) lembra que Winnicott inclui entre as “necessidades do ego” tanto os cuidados físicos quanto os psíquicos. Nem a realização mecânica das tarefas físicas ligadas ao lidar com o bebê, e nem a resposta imediata às suas demandas pulsionais implicam a satisfação das necessidades do ego.

A integração é obtida a partir de duas séries de experiências: por um lado tem especial importância a sustentação exercida pela mãe, que “recolhe os pedacinhos do ego”, permitindo a criança que se sinta integrada dentro dela; por outro lado há um tipo de experiência que tende a reunir a personalidade em um todo, a partir de dentro (a atividade mental do bebê). Chega um período em que a criança, graças às experiências citadas, consegue reunir os núcleos do seu ego, adquirindo a noção de que ela é diferente do mundo que a rodeia. Esse momento de diferenciação entre “eu” e “não-eu” pode ser perigoso para o bebê, pois o exterior pode ser sentido como perseguidor e ameaçador. Essas ameaças são neutralizadas, dentro do desenvolvimento sadio, pela existência do cuidado amoroso por parte da mãe.

A personalização – definida por Winnicott como o sentimento de que a de que a pessoa de alguém se encontra no próprio corpo”. O autor propõe que o desenvolvimento normal levaria a alcançar um esquema corporal, chamando-o de unidade psique-soma. Gurfinkel (1999) diz que a psique e o soma – que formam o esquema corporal de todo indivíduo – interpenetram-se e desenvolvem-se em uma relação dialética, e apresentam o paradoxo da diversidade na unidade.

Para Winnicott mente e psique são conceitos diferentes; trata-se de registros relacionados, mas heterogêneos. A psique é a elaboração imaginativa das partes, sentimentos e funções somáticas e não se separa, nem se divide do soma. A mente, no desenvolvimento saudável, não é nada mais do que um caso particular do funcionamento do psicossoma, surgindo como uma especialidade a partir da parte psíquica do psicossoma.

· Adaptação à Realidade

A medida que o desenvolvimento progride, a criança tem um ego relativamente integrado, e com a sensação de que o núcleo do si-próprio habita o seu corpo. Ela e o mundo são duas coisas separadas. A etapa seguinte é conseguir alcançar uma adaptação à realidade.

Nessa etapa a mãe tem o papel de prover a criança com os elementos da realidade com que irá construir a imagem psíquica do mundo externo. A adaptação absoluta do meio ao bebê se torna adaptação relativa, através de um delicado processo gradual de falhas em pequenas doses.

Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que para Winnicott a fantasia precede a objetividade, e o seu enriquecimento com aspectos da realidade depende da ilusão criada pela mãe; tudo repousa no vínculo precoce da criança com sua mãe. Mas o acoplamento entre alucinação infantil e os elementos da realidade fornecidos pela mãe nunca poderá ser perfeito. No entanto, o lactante pode vivê-lo como quase ótimo, graças a uma parte de sua personalidade, que procura preencher o vazio entre alucinação e realidade – a mente.

Winnicott considera que a atividade mental da criança faz com que um meio ambiente suficiente se transforme em um perfeito, converte o relativo fracasso da adaptação em um sucesso adaptativo. O autor fala que o que libera a mãe de ser quase perfeita é a compreensão da criança.

A mente se desenvolve através da capacidade de compreender e compensar as falhas; é uma função do ambiente à medida que ele começa a falhar, Gurfinkel (1999) diz que é apenas à medida que o ambiente falha que ele começa a existir para o bebê enquanto realidade. Portanto, se no início, a tarefa da mãe é adaptar-se de maneira absoluta às necessidades do bebê, em seguida, será de fundamental importância que ela possa fornecer um fracasso gradual da adaptação para que a função mental do bebê se desenvolva satisfatoriamente. O resultado disto será a emergência da capacidade do próprio sujeito de cuidar de seu self, atingindo um estágio de dependência madura.

Quando p ambiente não proporciona os cuidados que o psicossoma considera como elementares, a mente se vê obrigada a uma hiperatividade, o pensamento do indivíduo começa a assumir o controle e a organizar o cuidado ao psique-soma, podendo ocasionar uma oposição entre mente e psicossoma, ocasionado um distanciamento do verdadeiro self. Em estado de saúde, a mente não usurpa as funções do meio, mas possibilita uma compreensão e eventual aproveitamento de sua falha relativa.

· Crueldade Primitiva (fase de pré-inquietude)

Depois de a criança ter alcançado a diferenciação entre ela e o meio circundante e se adaptar em certa medida à realidade, pela absorção de pautas objetivas dela, que modificam suas fantasias, o último passo que deve dar é integrar em um todo as diferentes imagens que tem de sua mãe e do mundo.

Winnicott pensa que a criança pequena tem uma cota inata de agressividade, que se exprime em determinadas condutas autodestrutivas. O bebê volta seu ódio sobre si mesmo para proteger o objeto externo; mas esta manobra não é suficiente e em sua fantasia a mãe pode ficar intensamente danificada. (Bleichmar e Bleichmar, 1992).

A mãe é, além do objeto que recebe, em certos momentos, a agressão da criança, é também aquela que cuida dela e a protege. Quando a criança exprime raiva e recebe amor, a criança confirma que a mãe sobreviveu e é um ser separado dela. O bebê adquire a noção de que suas próprias pulsões não são tão danosas e pode, pouco a pouco, aceitar a responsabilidade que possui sobre elas.

Bleichmar e Bleichmar (1992) dizem que simultaneamente a mãe que é agredida e a mãe que cuida vão se aproximando na mente do indivíduo, que assim adquire a capacidade de se preocupar com seu bem-estar, como objeto total. Isto constitui o grande sucesso que, que Winnicott identifica como a última das etapas do desenvolvimento emocional primitivo.

Por fim, uma última palavra. Winnicott achava que Freud tinha dito o que havia para dizer no campo das neuroses, e sua técnica terapêutica estava adaptada aos neuróticos. Ele não via o que acrescentar nesse campo, daí voltar-se para os recém-nascidos e seus distúrbios.

É certo que já haviam as contribuições de Melanie Klein, mas em vários aspectos ele rompia com Klein, principalmente quanto à importância da influência do ambiente.

Foi assim que Winnicott passou dos conflitos “intrapsíquicos” para o estudo dos conflitos “inter psíquicos”, ou seja, para o estudo das distorções psíquicas provocadas por um ambiente patogênico. Daí a necessidade de uma nova terapêutica para estes casos em que o ambiente fracassara na adaptação às suas necessidades.



Referências:

GURFIELD, Décio. Psicanálise e Psicossoma: notas a partir do pensamento de Winnicott. In: Volich, R. M.; Ferraz, F. C.

ARANTES, M. A. de A. C. Psicossoma II – psicossomática psicanalítica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.

BLEICHMAR, N. M. e Bleichmar, C. L. A. Psicanálise depois de Freud: teoria e clínica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992.

SANTOS, Eder Soares. A Teoria do Amadurecimento de D. W. Winnicott como Ciência Ôntica da Acontecência Humana – apresentação do projeto de doutorado.

NASIO, J. D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. In: Winnicott. 1 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995. p.177-201.

WINNICOTT, Espaço. Winnicott – A Cultura Familiar, disponível em internet.

NASIO, J. D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Tradução de Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, p. 194 (1).

NASIO, J. D. Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Tradução de Vera Ribeiro. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1995, p. 195 (2).

OLIVEIRA, C. A. Disponível em: http://www.psicologia.org.br/internacional/winncar.htm. 17 de julho de 2008.

http//www.espacowinnicott.com.br – Acesso em 28 fev. 2008.

http://www.psicanaliseefilosofia.com.br/eder/doutorado.pdf. 17 de julho de 2008.

https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/winnicott-principais-conceitos.

http://psicologandonanet.blogspot.com/2008/03/teorias-de-desenvolvimento-winnicott.html.

https://estudosqualitativos.wordpress.com/clinica-psicanalitica/principais-conceitos-de-winnicott-j-nasio/

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